quinta-feira, 15 de abril de 2010

PERAXA " TAZRIA\METSORA" - Isaac Dahan

Esta é uma das poucas vezes em que a Torá estabelece uma relação linear de causalidade entre uma ação cometida e o castigo recebido em contrapartida. Um dos temas destas perashiot diz respeito a uma variedade de lepra conhecida em hebraico como tsaráat, na realidade de cunho espiritual e que afligia aqueles que incorriam na lashon hará (calúnia/maledicência/injúria). Não era somente uma doença da pele, ela poderia estar presente também nas paredes das casas e nas roupas das pessoas. Só existia em Eretz Israel, porém seu conhecimento e amplitude perduram há mais de três milênios alertando nossa conduta, mesmo estando na diáspora.

Podia ser considerada uma manifestação exterior de desvios cometidos pelo indivíduo em nível moral e espiritual, pois ao caluniar seu semelhante, ele estava afetando e debilitando o conjunto da sociedade, disseminando um germe danoso que levava em seu próprio interior. O caluniador sofria, por conseguinte, com uma enfermidade física que o obrigava a afastar-se do acampamento, do povo, do ambiente comunitário, permanecendo isolado, em solidão, num verdadeiro estágio corretivo, pois assim o indivíduo poderia valorizar realmente a necessidade de participar da sociedade de uma forma harmônica. A Torá ensina-nos então um conceito importante: O tratamento para esta patologia era orientado pelo Cohen (Sacerdote) e não pelo médico, mostrando ao enfermo de tsaráat (lepra), que a reabilitação física passava necessariamente também pela purificação espiritual.

Devemos ter em mente a grande importância da palavra, base da comunicação humana. O que o homem fala, mostra efetivamente quem ele é. O ser humano deve medir profundamente aquilo que fala, para não pecar. No primeiro capítulo do Pirkei Avot – A Ética dos Pais, cuja leitura semanal iniciamos no último Sábado, indo até véspera de Shavuot, lemos: “Shimon filho de Raban Gamliel dizia: Cresci e passei os meus anos entre os sábios e não encontrei nada melhor que o silêncio. Estudar a Lei Divina não basta. É necessário praticá-la; e quem fala muito pode trazer o pecado” (I-17).

Mesmo nos estendendo neste comentário semanal, porém levando-se em conta a alta relevância do tema, gostaríamos de contar duas histórias que certamente muito nos ajudarão antes de falar sem pensar, tagarelar, etc. A primeira nos é contada pelo Rav Isaac Dichi shlita: No Midrash Rabá está citada uma passagem de Rabi Shimon Ben Gamliel. Ele pediu a seu servo que lhe comprasse a melhor parte da carne de um animal e este lhe trouxe uma língua. Em outra ocasião mandou que trouxesse a pior parte da carne de um animal e curiosamente veio outra língua. Esta atitude até certo ponto estranha foi sutilmente explicada pelo servo: da língua vem o bem e o mal. Se empregada corretamente, nada há de melhor, porém se a usamos para o mal, nada há de pior.

O segundo exemplo extraímos do grande Rabi Israel Meir Hacohen Kagan zt’l (1838-1933), conhecido como Hafetz Hayim, por ter dedicado sua vida a escrever e ensinar as pessoas sobre os perigos da lashon hará (língua viperina), trecho comentado pelo brilhante e saudoso professor e articulista contemporâneo Rabi Pinchas Peli zt’l:

Certo dia, conta a história, Hafetz Hayim viajava de Varsóvia a Radeen, uma pequena cidade onde vivia. No trem, travou conversa com um homem a seu lado que também se dirigia para lá. “Estou indo” disse-lhe o companheiro de viagem, “para tentar obter a bênção de um famoso santo e grande erudito, o autor de Hafetz Hayim”. O rabino sentiu-se constrangido com estas palavras lisonjeiras e disse: “Você muito provavelmente deve estar enganado. A pessoa que você vai procurar não tem nada de santo ou erudito”. O estranho, enraivecido com o ignorante e insolente interlocutor, um homem de baixa estatura, compleição franzina e mal vestido, deu-lhe uma bofetada. O idoso sábio manteve-se em silêncio e não reagiu.

Quão chocado ficou o admirador do Hafetz Hayim ao chegar à cidade e dirigir-se à casa dele, lá encontrando o homem a quem esbofeteara. Caiu de joelhos e, chorando, pediu perdão.

Hafetz Hayim, porém, sorriu-lhe com bondade: “Não tem de me pedir perdão. Ao contrário, sou eu que lhe agradeço por ter me ensinado uma importante lição sobre um assunto ao qual venho dedicando toda a minha vida. Aprendi com você que se deve ter cuidado não apenas em não difamar outrem, mas também não difamar a nós mesmos. Fiz um comentário depreciativo contra a minha pessoa e fui punido por isto, no ato. Obrigado”.

SHABAT SHALOM UMEVORACH !

Isaac Dahan

Chazan / Shaliach Tsibur da Comunidade de Manaus

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